terça-feira, 27 de junho de 2017

Inside (Ou o Sustentável peso do fictício) Pt. III

                                         PARTE III – AS BATIDAS DO SEU CORAÇÃO PARARAM

Cheguei em casa, outro dia normal, troquei o lençol e tudo que tava sujo de sangue, comi feijão com farofa apenas, liguei a tv. Noticias, propagandas, o peito dói, mais um episódio (a casa das brasileirinhas) , mais uma bronha, mais um café. O ultimo toco de cigarro, é difícil fumar na minha situação. Estou na minha casinha, com um frágil conforto.
Desde que eu me separei, nunca mais eu tive algum sentimento de inquietação, não tive euforia, nem surpresas, descontrole, alegria ou raiva, não senti mais nada além da tristeza, solidão e não é coisa de fase, é solidão real eu moro numa pensão.
O dia todo tem pessoas passando por mim, eu sentado no sofá em câmera lenta e todos trinta vezes mais rápido, me sinto um adotado pelo mundo, o mundo não me adotou por amor, me adotou para ser seu escravo. sinto exclusiva raiva de mim mesmo, que eu acho que é muito maior que qualquer raiva, não dou nome a esse sentimento. E também culpa, também tenho culpa. É muito difícil admitir culpa, mas nunca vi problemas em pedir desculpas, mas nunca tinha sido sincero, mas dessa vez eu queria ser, pela primeira vez eu senti a dor de alguém, ou senti dor por alguém, ou senti dor por ter feito dor em alguém.
Antes eu tinha alguém que esbarrava nos móveis, que queimava feijão por que se distraiu com alguma coisa na tv, um apartamento apertado vazio aperta o coração de quem nunca viveu sozinho.
Não é querendo me gabar, ante ontem foi o meu aniversário. Uma vez fizeram uma surpresa no trabalho, levaram bolo e bexigas, comemos tudo numa praça mesmo, bebemos, eu tinha amigos simples e humildes e que me amavam por quem eu era. Mas esse ano, só tinha uma bexiga meio murcha no meu quarto e ninguém tinha me dado ela por amor, eu peguei ela de uma moça que estava vendendo crédito do Ibicard com parcelas fixas e juros abaixo do mercado, nem sei como ela parou lá, as vezes eu trago tanta coisa inútil da rua, guardo todos os papeis de dentistas.
Eu fui dormir, nem pensei em fazer qualquer tipo de coisa, ironicamente eu acendi uma vela, parabéns pra mim.
Novo dia nova vida, acordei disposto, foda-se, vou me levantar. Esse vazio no peito me incomoda demais, mas estou vivo, sou capaz de superar a dor, só eu andar mais devagar que eu não vou ter tanta perda de ar.
Sorriso no rosto dentro do trabalho, o patrão fica feliz, a faxineira recebe um bom-dia, a supervisora recebe um sincero beijo no rosto “Como você esta?”
depois da minha pausa cai o retorno pra aquele sujeito que eu falava no outro dia, o que estava no carro, liguei, demorou pra atender, mas atendeu. Atendeu uma mulher: - Amigo, o Marcio tava falando no celular e bateu o carro num ônibus do cruzamento a 60 por hora, não aguentou um instante. Você é amigo? Quer ir no velório?
Eu não sabia o que dizer, eu matei Márcio. Desliguei a ligação de imediato, parei um pouco e falei pra minha supervisora o que tinha acontecido, ela disse:
-  Não se sinta mau por isso, ele que quis falar com você e pelo menos você não se identificou, se tivesse feito isso seriamos processados e você rodava junto!
Isso me acalmou mas minha cabeça ainda estava a milhão. Fui embora até mais cedo, pensar que fui responsável pela morte de alguém me deixou perturbado, mas minha meta estava batida e vou ganhar bem este mês, no caminho eu reparava no tanto de gente que sai do trabalho as seis da tarde e eu saindo todos os dias pelas nove da noite, eu trabalho menos que eles, ou trabalho mais só que em menos horas, pois trabalho apenas meio período. Esta tudo bem assim, tenho um pequeno mundo em minhas mãos só que eu não consigo sustenta-lo. No caminho um amigo antigo me encontrou, não o via fazia muito tempo:
-  A argentina é um bom lugar pra viver? Perguntei a ele.
- Olha, eu gostei, mas de uns dois anos pra cá não esta tão bem assim, a economia deles esta mais confusa que a nossa. Pelo menos a gente sabe que estamos na merda.
Rimos e eu respondi:
- Eu não penso em sair daqui, não tão cedo, ou não sei. E que nunca me imaginei vivendo fora daqui.
Fabio encheu seu copo, deu um gole e fez uma cara de “mais ou menos” para cerveja, ele tinha comentado que a cerveja por lá é muito melhor do que a vendida no Brasil, mas ele afirmou que é apenas questão de gosto:
- Tu tá trabalhando com vendas né?
- Eu tô num telemarketing.
- De vendas? Perguntou Fabio:
- Sim. E você?
- Tô trabalhando com tradução, do castelhano pro português.
Só gente arrogante fala castelhano pra se referir ao espanhol, o Fabio era muito arrogante, a gente se conheceu no terceiro ano do ensino médio, é de boa família, sempre teve tudo o que queria principalmente seu jeito esnobe que no fundo ele ama ter, porém é um cara legal, tem seus defeitos, ele é bem mais ou menos. Ele prosseguiu:
- Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha, avacalha e se esculhamba – Deu um gole na “cerveza”, como ele dizia apenas pela força de habito de ter falado apenas ESPANHOL durante uns anos.
- Você esta bem cara?
- estou, oras!
Respondi meio sem jeito, nem sei por que ele disse. Não sei se ele realmente envacalhou na vida em algum momento. Tava tarde, voltamos pra casa com um sentimento de situação estranha que ocorreu.

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