terça-feira, 18 de agosto de 2015

Infeliz

 Acordou com ela na cabeça e com a luz da cozinha piscando, não aguentava mais problemas elétricos naquela casa minuscula, se arrumar, pisar em três livros, um Bukowski, Um Brecht e um Drummond. Também usa uma meia diferente em cada pé, corta o pão com a mesma faca que cortou o tomate, isso é viver sozinho, isso é viver.
 Qualquer tristeza por viver sozinho que ele sentia era pura  co incidência do destino, afinal, no mundo existe tanta gente infeliz e eles nem sabem disso. Pronto, hora do trabalho, parece o mesmo tédio de sempre,não que ele odeia sua profissão mas aquilo não é o que ele gosta de fazer, de vier, o que sonha?
 Apenas uma sala de aula.
 Quando ficou sabendo que ela iria pro exercito, teve a sensação que realmente, ninguém nesse mundo nasce um para o outro, todos estamos destinados a cair e levanta, subir e descer, brincar de iô-iô com a vida, isso é viver. Quando criança ele tinha uma formula infalível na hora de brincar com seus bonecos, ele inventava um herói, uma mocinha indefesa apaixonada pelo herói, o anti-herói (que ele chamava de guerreiro solitário), e o vilão.
 Funcionava assim, ele criava uma historia diferente a cada três dias, cada dia um capitulo, o objetivo era sempre o mesmo, salvar a mocinha, salvar o mundo. O pior é que mesmo que elas seguissem o mesmo modelo, eram até bem desenvolvidas para uma historia feita por uma criança, tanto que para ele não tinha tanta graça ficar brincando com as outras crianças e nem as outras crianças viam tanta graça brincar com ele. O enredo delas se baseava basicamente em "meu boneco bate no seu". Isso era profundamente entediante, ele apanhava muito por achar isso.
 Parou para comprar uma Ipa, um Hot-Dog alemão e batatas, era dia de feira culinária. Jazz, jazz fazia ele lembrar de sua mãe. A mulher era a maior fã de B.B. King que ele já conhecera na vida. Naquele momento mudar para cidade vizinha equivaleu a mudar de país, mundo... Ainda não conhecia muita gente naquela cidade, mas não era difícil conhecer todos, foi ao contrário o garotinho da cidade grande foi para o interior. A praça só tinha um chafariz numa ponta e na outra um coreto e vários bancos espalhados, aquela noite em especial tinha algumas mesas de ferro com toalhas de mesa brancas e uma outra feita de plástico transparente.
 Sua grande amiga era seu amor, que conhecia já fazia tempo e inclusive, foi ela que o fez mudar de cidade, se conheceram pela  ironia há um ano atras, quando o jovem rapaz fora deixado sozinho em um show de Reggae pela ficante bem no dia dos namorados. No show, ela estava sentada sozinha ele sentou do lado, do nada passou um cara muito bêbado andando sem rota definida:
 - O Ramon só pode ter dropado uns doces.
 - O nome dele é Ramon o nome dele?

 - Eu não sei.
 Riram disso a noite toda, e depois riram sobre varias coisas durante esse tempo juntos, choraram um pouco também.

 Ela foi para o exercito, pois era seu sonho, ia participar de uma missão no Haiti durante dois anos. Pela primeira vez o enredo mudou, a mocinha apaixonada virou o herói, o herói virou a mocinha, o guerreiro solitário é a mocinha, que antes era o herói, mas agora é apenas a mocinha apaixonada e indefesa.
 Isso é viver sozinho, isso é viver...

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